O que levou o imperador romano Constantino a estabelecer oficialmente o domingo como dia de repouso há 1.700 anos. Estátua de bronze de Constantino, o Grande, em frente à catedral de York (Inglaterra).
Uma das perguntas da área de História que apareceram na prova da segunda fase do vestibular da Fuvest deste ano teve que ver com a transformação do cristianismo de religião perseguida em religião do Estado. O ponto em questão era o que levou o Império Romano a adotar o cristianismo como religião oficial.
Uma das possíveis respostas para essa pergunta está na busca do Império Romano por um ponto de apoio que contribuísse para a sua estabilização. E o cristianismo, que estava em franca expansão, apesar das perseguições, possuía características para potencializar essas aspirações. Com base nessa hipótese, O Livro da História (Editora Globo, 2017, p. 67) diz que o cristianismo se tornou uma ferramenta para a unidade e uma validação da autoridade imperial. Nesse sentido, em 313 d.C., o imperador Constantino concedeu liberdade religiosa em todo o Império Romano, por meio do Edito de Milão (Gilberto Cotrim, História Global [Saraiva, 2005], p. 93).
Por outro lado, em março de 321 ele promulgou um decreto estabelecendo o domingo como dia de repouso. Esse edito exigia que a população das cidades por ele dominadas suspendesse as atividades “no venerável dia do Sol” (venerabili die Solis), embora fosse mais flexível em relação aos camponeses.
O documento estabelecia o seguinte: “Que os magistrados e as pessoas que residem nas cidades, bem como os comerciantes, repousem no venerável dia do Sol. Aos moradores do campo, porém, conceda-se atender livre e desembaraçadamente aos cuidados de sua lavoura, visto suceder frequentemente não haver dia mais adequado à semeadura e ao plantio das vinhas, pelo que não convém deixar passar a ocasião oportuna e privar-se a gente das provisões oferecidas pelo Céu” (Codex Justinianus).
Na realidade, tratava-se de um estatuto pagão, mas que foi nominalmente aceito pelo cristianismo (Philip Schaff; David S. Schaff, History of the Christian Church, v. 3 [C. Scribner’s, 1889], p. 380; Paul Krueger, Codex Justinianus [Weidmann, 1877], p. 248; Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 53, 574). Ao que se sabe, o chamado Edito de Constantino foi o primeiro registro de lei, de natureza eclesiástica ou civil, em que a observância sabática (no sentido de cessar o trabalho) do domingo foi ordenada (Joseph Harvey Waggoner, The Origin and Growth of Sunday Observance in the Christian Church [Pacific Press, 1889], p. 21).
Esse decreto foi uma lei dominical matricial. Ou seja, dele surgiu uma série de editos sobre a observância do domingo que influenciaram profundamente os europeus e a sociedade americana. Se no período de domínio do Império Romano a observância do domingo foi reforçada por estatutos civis, mais tarde, a igreja, sob a autoridade papal, impôs esse decreto por meio de editos eclesiásticos e civis (ver Walter W. Hyde, Paganism to Christianity in the Roman Empire [Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1946], p. 261).
O decreto de Constantino fazia parte de uma pauta de trabalho imperial que tinha como fundamento a promoção de um amálgama entre o paganismo e o cristianismo. Nesse sentido, o “dia do Sol”, que corresponde ao domingo do calendário atual, deveria ser um dia de descanso geral para cristãos e pagãos (Christian Edwardson, Facts of Faith [Southern Publishing Association, 1943], p. 109). Dentro dessa perspectiva, a etimologia da palavra inglesa sunday, que corresponde ao termo domingo em alguns idiomas latinos, tem exatamente o sentido de “dia do Sol”, reforçando a influência que essa pauta mantém dezessete séculos depois sobre a sociedade ocidental.
Em uma via de mão dupla, para dar uma sanção teológica à legislação imperial que exigia a cessação de trabalho no domingo, as hierarquias eclesiásticas apelaram frequentemente ao preceito criacionista do quarto mandamento, mas adaptando-o à observância do domingo (Samuele Bacchiocchi, Divine Rest for Human Restlessness [The Pontifical Gregorian University Press, 1980], p. 35).
E o que esse fato histórico tem que ver com o nosso futuro? Sob a perspectiva bíblico-profética adventista, a aproximação entre Igreja e Estado, dentro do contexto do capítulo 13 do livro de Apocalipse, demonstra que uma lei universal, à semelhança do Edito de Constantino, terá interferência direta sobre o arbítrio de todos os seres humanos da face da Terra (v. 16). E que, sob a boa intencionalidade de um objetivo comum, haverá uma crise que dividirá todos os cristãos do planeta.
FLÁVIO PEREIRA DA SILVA FILHO, mestre em Teologia Bíblica, é pastor jornalista
Última atualização em 4 de março de 2021 por Márcio Tonetti.