Dom de línguas

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Professor fala de sua experiência como tradutor e intérprete e das tendências nessa área cada vez mais permeada pela tecnologia.

Assim como outras datas do nosso calendário, o Dia do Tradutor também surgiu com um pano de fundo religioso por homenagear a vida e a obra de Jerônimo. Considerado o patrono dos tradutores, ele traduziu a Bíblia para o latim a partir dos originais em hebraico e grego, no 5° século, tradução que ficou conhecida como Vulgata.

Neste 30 de setembro, conversamos com uma autoridade não apenas em grego, mas também em outros idiomas. Mestre em Filologia Clássica pela University of Texas System (2001) e em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia (1995), Milton Torres também cursou doutorado em Letras Clássicas pela USP (2014) e pós-doutorado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009).

Seu longo currículo inclui a tradução de clássicos gregos e uma vasta experiência como intérprete de grandes evangelistas, músicos, entre outras personalidades. Nesta entrevista, o professor do mestrado em Educação e das graduações em Letras e Tradutor do UNASP fala sobre sua trajetória, seus desafios e sonhos, bem como a respeito do futuro dessa profissão.

Fale-nos um pouco sobre sua experiência com tradução e também como intérprete.

Tenho trabalhado com tradução durante a maior parte da minha vida profissional. Já traduzi alguns livros e artigos para a Igreja Adventista, principalmente na área teológica e pastoral. Também já traduzi do grego para o português obras seculares antigas como a Exagoge e o Misopogon. Meu trabalho de pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi uma tradução comentada, também do grego. Além disso, atuei como intérprete de grandes pregadores adventistas, como George Vandeman, Mark Finley, Laverne Tucker e Ted Wilson, e de cantores como Del Delker, Ullanda Innocent, Wintley Phipps, Steve Green, Bill Gaither e David Phelps.

Existe algo difícil ou impossível de ser traduzido? Considerando sua experiência na área, houve algum episódio em que a escolha de uma palavra ou expressão fez toda a diferença numa tradução?

Na tradução, há diferentes graus de dificuldade a depender do vocabulário, da área temática e do prazo em que a tradução precisa ser feita. Acho que a tarefa mais difícil que já enfrentei na minha carreira como tradutor e intérprete foi interpretar de modo simultâneo um treinamento de auditores internacionais para o Serviço de Auditoria da sede mundial da Igreja Adventista. Essa é uma área que não domino. Felizmente, estava ao meu lado um colega que é bem fluente nesse assunto. Dividimos a cabine de interpretação durante vários dias e longas horas. No final, deu tudo certo. Era, porém, uma área que não admitia equívocos.

Como já mencionou, o senhor tem uma vasta experiência na tradução simultânea de séries evangelísticas. Além de conhecer o idioma e a cultura estrangeira, quais outros fatores ajudam o tradutor na missão de fazer com que a mensagem seja transmitida de forma eficiente e atinja o objetivo de falar ao coração das pessoas?

Minha primeira experiência como intérprete ocorreu no início da década de 1990, no Ginásio de Esportes Antônio Balbino, em Salvador (BA). Naquele dia havia 13 mil pessoas no ginásio. Desde então, já participei de inúmeras outras campanhas. Tenho uma filosofia que difere um pouco da que outros intérpretes têm. Uma filosofia comum no ramo é que o intérprete tem que se tornar invisível durante a interpretação. Como eu tento imitar a expressão facial, os gestos e tom de voz do pregador, meu objetivo é que o pregador se torne invisível. Ou seja, tento fazer com que o público não tenha a impressão de que está ouvindo uma interpretação. Afinal de contas, no evangelismo o mais importante não é o pregador, mas a pessoa de Jesus.

Na tradição cristã, especialmente de vertente protestante, a tradução do texto sempre teve um papel importante?

No mundo antigo, o grego era uma língua universal, como o inglês atualmente. Nesse sentido, o fato de o Novo Testamento ter sido escrito em grego dispensou, durante muito tempo, a necessidade de traduzi-lo. Por outro lado, a Bíblia usada pelos principais apóstolos para pregar o evangelho, exceto João e Mateus, foi a Septuaginta, que era a tradução grega da Bíblia Hebraica. Portanto, podemos dizer que as traduções sempre foram importantes para o cristianismo.

O conteúdo religioso e cristão traz uma linguagem bastante peculiar, principalmente pelo uso de fraseologias bíblicas e terminologia bem específica. Quais são alguns dos desafios de tradução nesse segmento?

O maior desafio para traduzir e interpretar textos ou sermões na tradição cristã é o conhecimento das Escrituras. Sem entender a Bíblia e sua mensagem é muito difícil que um tradutor ou intérprete, ainda que seja bom em outras áreas, consiga ter um desempenho satisfatório.

Qual é a sua opinião sobre as novas tecnologias na área de tradução (aplicativos de tradução simultânea, Google Tradutor, softwares, etc.)? Será que nesta era digital essas tecnologias estão dispensando o agente “humano”?

As novas tecnologias estão dando uma enorme contribuição para a área da tradução. As traduções automáticas estão cada vez melhores, especialmente as que lidam com a língua inglesa. Por isso surgiu o papel do “trevisor”, uma função que reúne os papéis de tradutor e revisor. Ou seja, o tradutor agora simplesmente lê o texto traduzido por máquina, conserta os erros e lhe dá um toque pessoal, mais harmonioso e humano.

Há 20 anos o UNASP, campus Engenheiro Coelho (SP), oferece uma graduação nessa área, que o senhor coordenou, inclusive, por uma década. Como está sendo a procura por esse curso atualmente? E de que maneira você vê o futuro desse profissional?

Muitos alunos procuram o curso, mas nem todos conseguem se graduar, pois o curso não ensina inglês para quem não sabe nada desse idioma. É necessário ter certo conhecimento prévio porque a preocupação maior é transmitir as técnicas de tradução e interpretação. Nossos discentes têm tido uma boa participação no cenário nacional, tanto como tradutores quanto como intérpretes. Recentemente, os alunos do UNASP interpretaram eventos para a Universidade de Yale e a Universidade de Loma Linda, nos Estados Unidos. Já temos, inclusive, um convite para interpretar, em breve, um evento da Universidade de Princeton. Essas instituições de ensino preferem recorrer a alunos em formação por duas razões: prover um ambiente para que desenvolvam suas habilidades num contexto real e evitar os altos custos da interpretação profissional. Seja como for, há muita procura por bons tradutores e o mercado é atrativo, embora, em muitos casos, seja necessário que o tradutor complete o orçamento dando aulas de inglês.

Você tem algum sonho/objetivo pessoal nessa área?

Sim. Tenho dois projetos que quero retomar quando me aposentar em breve. Sonho em traduzir o livro de Salmos a partir da Septuaginta, pois há pequenas, mas significativas diferenças entre o texto hebraico e o grego. Já iniciei o projeto, mas tive que abandoná-lo por razões de trabalho. Sonho também fazer a tradução de alguns historiadores cristãos. A obra História Eclesiástica, de Eusébio, já traduzida para o português, é muito boa, mas peca pelas tendências antitrinitárias daquele escritor antigo. Portanto, pretendo traduzir outros historiadores da época, como Sócrates Escolástico e Sozômeno, cujos antigos textos gregos ainda não foram traduzidos para o português. Essas obras foram negligenciadas por não apresentarem a mesma elegância do texto de Eusébio.

Qual é a maior responsabilidade do tradutor?

O tradutor é um mediador. Deve traduzir de tal maneira que seu trabalho não crie preconceitos nem discriminação. Deve estar sempre atento às questões éticas e fazer opções conscientes para promover o diálogo, mesmo em contextos mercadológicos.

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