Pelo Dr. José Carlos Ramos (RA, Dez/2006, p. 17)
É possível inferir de citações bíblicas e do Espírito de Profecia a idéia de que o princípio dia/ano não deve ser aplicado depois de 1844? E como fica a interpretação de Apoc 8:1 de que “quase meia hora profética” equivale a sete dias? – M. T. F.
Calculamos as 2300 tardes e manhãs de Daniel 8:14 como 2300 anos mediante a aplicação do princípio dia-ano. Considerando que a purificação do santuário terrestre ocorria num único dia, não deveria o juízo investigativo, nesse caso, ter durado apenas um ano? Por que esse princípio deixa, agora, de ser aplicado?
O princípio dia/ano é aplicável exclusivamente a períodos de tempos proféticos apocalípticos que se estendem no máximo até 1844. Não po de ser aplicado de outra forma. É verdade que a purificação do antigo santuário terrestre ocorria num determinado dia do ano litúrgico de
Israel. Mas não tomava o dia todo, para que valesse um ano completo pelo aludido princípio. Mesmo que o tomasse, esse dia, a exemplo do que ocorria com outros dias de eventos religiosos, era apenas uma data de calendário e nada mais que isso; não perfazia um “período profético” menos ainda apocalíptico; portanto, o princípio dia/ano nada tem que ver com aqueles dias, e vice-versa.
Se tivéssemos que aplicar o princípio a essas datas, entraríamos em sérias dificuldades. Por exemplo, a festa dos “pães asmos” que apontava para o corpo de Jesus oferecido na cruz, durava sete dias. Se a aplicação fosse correta, o corpo de Jesus deveria permanecer na forma
de um sacrifício (na cruz, ou mesmo na sepultura), por sete anos. A festa de Pentecostes, que apontava para a descida do Espírito Santo, era comemorada, a exemplo da Expiação, num dia apenas; deveria, então, o Espírito Santo ter vindo sobre a Igreja apenas durante um ano?
E assim por diante.
Cada festa religiosa dos judeus tinha uma importante aplicação escatológica, concernente ao seu significado, mas não ao tempo de sua duração. Uma coisa é independe da outra.
Com respeito à primeira pergunta, lembro que toda vez que nos desviamos de nosso critério de interpretação profética, o historicismo, nos arriscamos a descambar para a fantasia. Ellen G. White sempre respeitou esse critério em seus comentários sobre as profecias (ver especialmente o livro O Grande Conflito), e é por isso que ela afirmou categoricamente que “o tempo não tem sido um teste desde 1844, e nunca mais o será” [Primeiros Escritos, pág. 75); depois de 1844 “não pode haver contagem definida de tempo profético” [Manuscrito 59,1900).
É por isso também que ela afirma que “nenhum período profético se estende até ao segundo advento” (O Grande Conflito, pág. 456) e que “quanto mais freqüentemente se marcar um tempo definido para o segundo advento, e mais amplamente for ele ensinado, tanto mais se satisfarão os propósitos de Satanás” (Ibidem, pág. 457). Tudo isto subentende que o princípio dia-ano não deve ser aplicado para além de 1844.
Apocalipse 10:6 afirma que já não haveria “mais demora” quando o anjo estivesse para tocar a sétima trombeta (v. 7). O termo original grego vertido como “demora” nesse texto é chronos, que quer dizer “tempo que transcorre” (vem daí a palavra cronômetro). Entendemos que a sétima trombeta é tocada a partir de 1844. Em 1840 completou-se o período de 391 anos e 15 dias da sexta trombeta (9:15). A expressão “para tocar” significando a iminência do toque, aponta para um pouco de tempo antes de 1844. Nessa ocasião, o estudo profético era intenso, e abriu a perspectiva do cumprimento do “mistério de Deus” como previsto em Apoc. 10:7.
“Tempo que transcorre” é a condição sine qua non para qualquer período, não importando a sua duração. Naturalmente, “tempo que transcorre” não significa necessariamente “períodos de tempo” previamente estabelecidos; mas sem “tempo que transcorre” não haverá o estabelecimento de qualquer período. O que o anjo está dizendo, portanto, não é que não haveria passagem de tempo desde o toque da sétima trombeta até a volta de Jesus, pois ninguém é tão tolo que afirme que o tempo, de lá para cá, não tem transcorrido. Significa, sim, que não haveria mais período definido, específico, de tempo profético a ser inserido em qualquer época após 1844. Os que pospõem, por exemplo, o cumprimento dos 1290 e 1335 dias de Daniel 12:11 e 12 para imediatamente antes da volta de Jesus estão violando o que o Apocalipse declara.
Ellen G. White confirma tudo isso. Comentando Apocalipse 10:6, ela diz: “Esse tempo, que o anjo anuncia com solene juramento, não é o fim da história deste mundo, nem do tempo de graça, mas de tempo profético que precederia o advento de nosso Senhor; isto é, as pessoas não terão outra mensagem sobre tempo definido. Após este período de tempo, que se estende de 1842 a 1844, não pode haver um delineamento definido de tempo profético. O cômputo mais longo se estende até o outono de 1844” (SDABC, vol. 7, pág. 971). “Esta mensagem anuncia o fim dos períodos proféticos.” – Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 108.
Portanto, se os períodos de tempo profético avançam, no máximo, até 1844, segue-se que o princípio dia-ano (necessário para o cálculo dos referidos períodos) não mais é válido para depois desta data. Isto significa que a interpretação correta de Apoc. 8:1 não exigirá o emprego deste princípio, da mesma forma que não o empregamos na interpretação do milênio do capítulo 20.
Revista Adventista, Dez/2006, p. 17.
José Carlos Ramos, professor de Teologia no LINASP, campus Engenheiro Coelho, SP