Por Wilson Luiz Paroschi (RA, out/84)
Antes mesmo que raiasse o dia, naquela terça-feira, a meninazinha, bastante apressada, saltou de sua cama e foi correndo até onde estavam seus pais. que nem sequer haviam dormido aquela noite.
—É hoje, mamãe? — perguntou ela, com toda a sua euforia infantil.
— Sim, querida! É hoje o dia — respondeu a mãe num tom de felicidade.
— Mas, a que horas vai ser, mamãe?
—Não sabemos, filhinha. Só sabemos que será hoje.
A pequena se afastou entusiasmada a fim de se aprontar. Sua mãe lhe mandara fazer um vestidozinho branco especialmente para aquela ocasião.
O clima naquele lar era de ansiedade e expectativa. Em sua inocência infantil, aquela meninazinha não conseguia compreender o significado daquela data. Naquele dia ela sabia que algo diferente e extraordinário haveria de acontecer, e ela vibrava com aquilo. Mas, sua ingenuidade de criança não permitia que ela vislumbrasse a importância e a grandiosidade plena do evento.
Seus pais, que outrora felizes ansiavam por esse momento, iam ficando mais e mais preocupados à medida que os minutos passavam. Não haviam tido sono naquela noite, e havia várias noites que a expectativa não os deixava dormir. Porém, a convicção de que tudo daria certo enchia-lhes a alma de segurança e tranqüilidade. Havia já muito tempo que vinham se preparando para aquele momento, e tinham certeza de que não se decepcionariam. Todas as providências haviam sido tomadas para que tudo saísse perfeito. Todos os detalhes haviam sido considerados cuidadosamente para que não houvesse nenhuma surpresa.
Embora as noites outonais fossem um pouco mais longas, aquela, em especial, parecia não ter mais fim. Os segundos pareciam ter-se tornado em minutos, e os minutos, em longas horas. O tempo parecia não passar. O relógio se tornara um instrumento de tortura, e a mente um verdadeiro campo de batalha. Mas, estavam seguros. A noite haveria de passar, e o dia haveria de raiar, raiando também a concretização de seu tão esperado e cobiçado sonho.
Seis horas da manhã. Os primeiros raios do sol começavam a surgir no horizonte, despertando a Natureza adormecida. Os passarinhos começavam a cantar; as flores começavam a abrir suas pétalas, saudando o novo amanhecer.
O pai, a mãe e a filha saíram da casa a fim de examinar o tempo. O céu estava limpo. Tudo parecia normal. A Natureza toda parecia nada saber sobre aquele acontecimento. Parecia não se importar com aquele dia.
A família quase não conversava. Apenas se entreolhavam calados. Caminhavam de um lado para o outro, e olhavam impacientemente para o relógio… Enquanto isso o Sol se erguia poderosamente no azul do firmamento. O dia estava muito bonito. Porém, nada prenunciava o que estava para acontecer.
Chegara o momento de ir ao trabalho, e o esposo não saiu como de costume. Aliás, havia vários dias que ele não trabalhava, pois já fazia duas semanas que havia vendido sua loja e doado todo o dinheiro aos pobres. A mãe, nesse dia, não estava preparando o alimento, como de costume. A filhinha não estava brincando com suas coleguinhas, como o fazia sempre. Apenas estavam prontos, e aguardando o grande momento.
As horas passavam lentamente. Estavam aflitos, angustiados… E, apesar da temperatura amena, grandes gotas de suor brotavam-lhes pelo corpo.
Meio-dia! Tudo normal. Nada parecia estar por acontecer. O drama dessa família era enorme. Sabiam que era esse o dia. Haviam feito todos os preparativos. Tudo estava em ordem. Mas, algo os angustiava: não sabiam a que horas seria o evento.
Essa família não era a única nessa ansiedade. A mesma experiência estava sendo sentida, naqueles mesmos instantes, por milhares de outras famílias e indivíduos em quase todo o território norte-americano.
Só nos Estados Unidos, cerca de cem mil pessoas haviam depositado totalmente suas esperanças naquele dia memorável. Muitas cidades estavam quase completamente paradas. Todos aguardavam, roendo as unhas de expectativa, o grandioso momento.
A tensão era geral, e grande demais para ser suportada. E não era para menos, pois a convicção de que o Senhor voltaria naquele exato dia havia provocado uma reação tal entre os crentes, que foi algo realmente impressionante. A consagração e dedicação que demonstraram foi surpreendente.
Os comerciantes adventistas haviam fechado os seus estabelecimentos; mecânicos haviam trancado suas oficinas; empregados haviam abandonado os seus empregos. Fazendeiros haviam deixado de colher suas lavouras; as batatas foram deixadas no solo; as maçãs apodreciam nos pomares; o feno caía pelos campos.
Magistrados, professores, oficiais de justiça haviam deixado suas funções. Uma grande instituição comercial no Brooklin havia dispensado todos os seus empregados, e inúmeras outras lojas foram fechadas em honra ao advento do Rei dos reis.
Grandes somas de dinheiro haviam sido doadas para que os pobres pudessem liqüidar suas dívidas, bem como para a publicação de literaturas, que anunciavam o iminente retorno do Salvador.
Impressoras a vapor haviam operado dia e noite produzindo centenas de milhares de publicações em muitas das principais cidades americanas e canadenses.
Centenas de metodistas, congregacionais, presbiterianos, por toda a parte, haviam confessado suas faltas, e se apressado em descer às águas batismais. Todos se preparavam! Todos se consagravam!
O mundo exterior aguardava em suspense. Milhares que nunca se haviam unido ao movimento examinavam o coração com temor de que fosse verdade. Todos estavam convencidos de que Cristo voltaria naquela data. Os cálculos proféticos haviam sido examinados, estudados e reestudados. Não tinham dúvidas de que aquele era o dia — 22 de outubro de 1844.
E, o dia chegara! O grande dia chegara! Mas, algumas horas já se haviam passado, e nada. E o dia começava a descambar para os seus momentos finais. A aflição de todos chegava a um ponto insuportável. O tique-taque do relógio produzia um som estarrecedor. A respiração tornara-se difícil e freqüente. Milhares de olhos arregalados procuravam desesperadamente por algum pequenino sinal no céu, mas em vão. O Sol se punha no horizonte, com toda a crueldade de sua indiferença. E Cristo não voltava!
As sombras do ocaso se estendiam serena e friamente por sobre a Terra. A noite chegara, e suas horas passavam vagarosamente. Em desconsolados lares de adventistas, os relógios iam dando as últimas badaladas daquele dia, até que assinalaram meia-noite. 22 de outubro havia terminado. Jesus não viera! Ele não voltara!
— Por que papai não veio hoje? — desabafaram em pranto incontido os dois filhos da Sra. Fitch.
O pai deles, Carlos Fitch, havia falecido havia somente oito dias, com apenas trinta anos de idade. Carlos Fitch era pastor da Igreja Congregacional, e se havia unido decisivamente ao movimento que pregava e aguardava o iminente retorno do Salvador.
Certo dia, após batizar três grupos de conversos ao ar livre, num dia frio, e nas águas geladas de um lago, ele contraiu pneumonia, o que o levou à morte no dia 14 daquele mesmo mês.
Um periódico havia relatado que sua viúva e os filhos órfãos estariam agora no Estado de Cleveland, aguardando confiantemente a vinda do Senhor para reunir os membros espalhados da família. Não é difícil imaginar os dois filhos sobreviventes perguntando em meio às lágrimas, após o funeral:
— Mamãe, nós veremos papai novamente?
— Sim, queridos — respondia corajosamente a Sra. Fitch. — Em poucos dias, quando Jesus retornar, Ele despertará papai e seus irmãos adormecidos também, e então seremos uma família completa e feliz outra vez, para sempre!
Na noite de segunda-feira, 21 de outubro, as crianças perguntaram:
— Mamãe, amanhã tornaremos a encontrar papai?
— Sim, queridos! E na noite do dia seguinte, terça-feira, depois de passar um dia em meio a angústia e segurança, aflição e esperança, as lágrimas do desespero rolaram-lhes pela face, e, soluçando, perguntaram:
— Por que papai não veio hoje? Essa, contudo, não era a única família nessas condições. Havia muitas outras cujos filhos ou pais tinham morrido de tuberculose, cólera e outras doenças fatais. Muitos antecipavam uma alegre reunião quando Jesus viesse novamente. Mas Ele não voltara.
Os crentes não conseguiam aceitar os fatos. “No que erramos?” clamavam eles em desespero de alma. A cruel realidade era como um enorme peso a esmagar-lhes o coração. Ás profecias haviam sido estudadas cuidadosamente. Os cálculos haviam sido feitos detalhadamente.
Não conseguiam aceitar a realidade de mais um dia neste mundo cruel e miserável. Não conseguiam aceitar a realidade de mais uma noite neste planeta escuro e sombrio. Não conseguiam aceitar a realidade de mais um inverno nesta Terra fria e melancólica.
Sentiram-se traídos pelas suas convicções! Enganados pelas suas crenças! Todos choraram como crianças. Muitos não mais possuíam casas a que retornar, pois haviam vendido tudo o que tinham — casas, lojas, fazendas — e doado o dinheiro aos pobres e à obra. Não é sem razão que 22 de outubro de 1844 passasse para a História como o dia do “Grande Desapontamento”.
Quão dolorosa foi essa experiência para aqueles adventistas! Quão cruel foi para eles essa grande decepção!
Apocalipse 10:9 e 10 relata a figura com que o grande desapontamento fora profetizado: “Fui, pois, ao anjo, dizendo-lhe que me desse o livrinho. Ele então me fala: Toma-o, e devora-o; certamente ele será amargo ao teu estômago, mas na tua boca, doce como mel. Tomei o livrinho da mão do anjo e o devorei, e na minha boca era doce como mel; quando, porém, o comi, o meu estômago ficou amargo.”
Quando os crentes dos últimos séculos, em especial do século passado, começaram a estudar e a compreender o livro do profeta Daniel (o “livrinho aberto” mencionado em Apoc. 10:2, 9 e 10), o qual estivera selado desde os dias de sua composição (Dan. 12:4), uma nova animação tomara conta deles. O estudo dos cálculos proféticos, em particular o dos 2.300 dias, fez com que milhares deles vibrassem de alegria, pois pensavam que o retorno de Cristo se daria em 22 de outubro de 1844, exatamente em seus dias.
Era a doçura do mel! Era o gosto da felicidade! Era a certeza de que aquela geração haveria de se encontrar, viva, com o Senhor nos ares. Mas, o dia passou, e o desapontamento foi muito maior do que se possa imaginar. Foi o amargor da alma! Foi o sabor da decepção! Foi a triste realidade que tiveram de “engolir”. E no dia 22 deste mês, outubro de 1984, esse acontecimento estará completando 140 anos.
Entretanto, esse desapontamento não ocorreu por falha divina. Não fora Deus quem faltara com Suas promessas, e sim o povo, que falhara em não compreender o sentido correto da profecia, muito embora o cômputo estivesse exato. Mas, ao passar o dia fatídico, na manhã seguinte, dia 23, Hirã Edson teve uma visão vinda dos Céus, e o detalhe vital, no qual haviam errado, foi esclarecido. E isto aconteceu porque não desanimaram diante da decepção. Foram desapontados, porém não desesperançados.
E o adventismo se expandiu rapidamente desde então, procurando cobrir com sua mensagem todos os quadrantes da Terra, em cumprimento às profecias de Apocalipse 10:2 e 14:6. Enfrentou, e ainda enfrenta muitos obstáculos, mas tem progredido, e vai continuar progredindo sempre, até ver suas esperanças se realizarem. E a prova profética desse triunfo final está em Apocalipse 14:16 e 17, onde Cristo é apresentado como efetuando a colheita dos justos (em contraste com a colheita dos ímpios, retratada nos versos 18 a 20), exatamente após o triunfo da tríplice mensagem angélica (versos 6 ali), cuja proclamação foi iniciada justamente pelo movimento adventista.
E aqui estamos nós, 140 anos depois. Possuímos em nosso passado as marcantes cicatrizes de uma grande decepção, mas ainda sustentamos firmemente a bendita mensagem do iminente retorno de Cristo. Não seremos desapontados novamente. A profecia nos garante esse fato, e também a grande luz que possuímos agora nos permite afirmar com segurança que, desta vez, realmente, estamos vivendo nos últimos dias da história deste velho mundo. Temos a nosso favor os testemunhos eloqüentes da Palavra de Deus e do Espírito de Profecia, os quais são mais do que confirmados pelas condições reinantes no mundo contemporâneo.
Sem medo de errar, afirmo que não estamos incorrendo em outro erro decepcionante como o fizeram os pioneiros do movimento milerita. As profecias bíblicas indicam claramente que o “tempo do fim” para a humanidade teve o seu início no ano de 1798, ano em que findou o período profético dos 1.260 anos (Dan. 7:25 e 26). E, de lá para cá, dar-se-iam numa rápida sucessão muitos outros acontecimentos que consolidariam a identificação deste tempo como “o tempo do fim”.
Assim, o dia 22 de outubro de 1844 marcou, não o dia do retorno de Cristo à Terra para purificar o mundo e julgar a igreja como Rei dos reis, mas sim, o início da purificação do santuário celestial e do juízo investigativo, atividades de Cristo que deveriam preceder Sua segunda vinda. Não, o Senhor não voltaria naquele dia, como pensava Guilherme Miller, mas a partir daquele dia o Senhor poderia voltar a qualquer momento.
Segundo as palavras do anjo Gabriel, o término do período profético não marcaria o fim de tudo, mas o próprio cumprimento da profecia deveria encaixar-se num período mais amplo, ou seja, no “tempo determinado do fim” (Dan. 8:19).
O próprio Cristo nos ajudou, também, a identificar mais pormenorizadamente esse “tempo do fim”. Ele falou dos muitos sinais que haveriam de caracterizar esse período, os quais indicariam, também, que o “fim” do “tempo do fim” (um tempo bastante curto) estaria bem próximo. “Quando virdes todas estas coisas, sabei que está próximo, às portas” (S. Mat. 24:33).
Os sinais anunciados pelo Mestre, que haveriam de se evidenciar nos astros, na Terra, na Natureza, no mundo social, político e econômico, deveriam, principalmente, servir de alerta e confirmação para todos os crentes de que Sua volta estaria muito breve. E a cada minuto que passa não temos dúvidas de que este velho e sofrido planeta está realmente, em seus momentos finais. “Já é a última hora”, é a linguagem bíblica (I S. João 2:18), e esta expressão está de todo correta.
Ao darmos uma olhada para trás, para as páginas da História, percebemos que quase todos os sinais anunciados por Cristo já se cumpriram, e que já podemos, inclusive, ao olhar para a frente, para as poucas páginas restantes, presenciar e sentir alguns relances prévios da glória colossal daquele memorável dia. O constante fremir da Terra é como que o sentir os passos poderosos de um Rei que Se aproxima. O gemer angustiante do mundo é como que o ouvir o som portentoso da grande comitiva celestial que se aproxima.
O próprio Jesus falou, referindo-Se a isso: “Ora, ao começarem estas coisas a suceder, exultai e erguei as vossas cabeças; porque a vossa redenção se aproxima” (S. Luc. 21:28).
Exultemos, irmãos, o Senhor vem vindo! Levantemos os olhos, e tentemos divisar por detrás da fumaça deste mundo em chamas, Aquele que vem vindo em glória e majestade para trazer a salvação final a todos os crentes. Alegremo-nos por isso! O Senhor está voltando!
Já está para soar meia-noite no relógio histórico-profético, a hora suprema que marca o salvamento da humanidade. E nesses derradeiros momentos da história terrestre, Cristo intervirá nos destinos do mundo e conduzirá os crentes ao paraíso celeste. Desta vez não fracassaremos! Não seremos desapontados novamente! A igreja triunfará em glória! Portanto, meu irmão, cuide para que você, particularmente, não fracasse naquele dia. Prepare-se! Consagre-se! Senão, o desapontamento será apenas seu!
Bibliografia:
Maxwell. C. M.. História do Adventismo. Oliveira, M. M.. História da IAS D. SDA Bible Commentary.
Spalding, A. W., Origin And History of Seventh-Day Ad-ventists. vol. 1