Conheça o poema escrito em esperanto que reflete a visão de Ellen White sobre o conflito entre o bem e o mal.
Beth Thomas
Edwin de Kock se tornou adventista aos cinco anos de idade, quando a mãe, lendo os Dez Mandamentos, descobriu o sábado. Natural da África do Sul, Kock graduou-se em Teologia na Faculdade de Helderberg, próximo à Cidade do Cabo. Continuando seus estudos, ele concluiu uma graduação e mestrado em idiomas e obteve outro diploma na área de educação. Por mais de 40 anos, Kock lecionou para o ensino médio e em universidades, tanto adventistas como seculares, na África do Sul, Coreia do Sul e nos Estados Unidos, onde ele e a esposa conseguiram a cidadania em 2000.
Enquanto estudava na Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, Kock conheceu Nico van der Merwed, que lhe apresentou o esperanto, idioma desenvolvido por Ludwek Lejzer Zamenhof, poliglota judeu polonês. Em 1887, Zamenhof publicou um livreto no qual apresentou a gramática e o vocabulário básico do esperanto, além de exercícios e vários poemas escritos nesse idioma.
Um diferencial do esperanto é que se trata de uma língua construída. Seu vocabulário foi formado por elementos comuns ao inglês, italiano, espanhol, português e francês, além do grego clássico e latim. Todos esses elementos estão reunidos numa gramática que, segundo Kock, é uma obra-prima de simplicidade e flexibilidade.
Segundo Kock, o objetivo de Zamenhof com o esperanto não era tomar o lugar de nenhum idioma, porém oferecer uma possibilidade para que todas as pessoas da Terra se comunicassem. A ideia de Zamenhof era que o esperanto fosse a segunda língua de todos aqueles que quisessem se comunicar com o restante do mundo.
Quando recebeu emprestada de Nico van der Merwe uma Bíblia em esperanto, Kock ficou intrigado com a língua e procurou estudá-la. Ele observou a alta qualidade dos escritos produzidos por quem domina esse idioma, cerca de 2 milhões de pessoas ao redor do mundo.
Kock escreveu seu primeiro poema em esperanto cinco meses após aprender o idioma. Ao se comunicar com outros autores do mundo todo, suas poesias logo foram publicadas em revistas e livros. Isso o levou à obra da sua vida: um épico intitulado La Konflikto de la Epokoj (O Conflito dos Séculos).
A OBRA DE UMA VIDA
Um épico é um poema ambicioso, às vezes com centenas de páginas, sobre um tema de grande importância. Muitas vezes por trás do tema está a perspectiva de seu autor e até mesmo do país ou do grupo de pessoas a que ele pertence. Epopeias famosas são a Ilíada e a Odisseia, ambas atribuídas a Homero, um grego que viveu cerca de 750 a.C. Por sua vez, Eneida, escrita em latim, do romano Virgílio (70-19 a.C.), também é outro clássico. Podemos falar o mesmo de A Divina Comédia, do italiano Dante Alighieri (c. 1265-1321); de Os Lusíadas, do português Luís Vaz de Camões (c. 1524-1580); e da obra O Paraíso Perdido, do britânico John Milton (1608-1674).
Kock começou a trabalhar no seu poema épico em 1959. Devido a várias interrupções, em 1992 ele havia terminado pouco mais de um terço do livro. Somente em 2015 ele retomou essa hercúlea tarefa e a concluiu em 2018, aos 88 anos de idade.
O trabalho de Kock, embora homônimo do livro da pioneira adventista Ellen White, O Conflito dos Séculos, não é uma tradução da série de cinco volumes, mas uma descrição do tema do grande conflito que permeia toda a Escritura, mesclado com a exposição de várias profecias. Kock afirma que, teologicamente, esse épico é uma obra puramente adventista do sétimo dia, pois contém suas crenças fundamentais.
O poeta adventista sul-africano Edwin de Kock concluiu seu épico somente em 2018, aos 88 anos de idade
Muito influenciado pelos escritos de Ellen White e pela Bíblia, o épico destaca como a lei e o amor se reconciliam pelo incomparável presente de Deus: o sacrifício de Seu Filho para salvar o mundo rebelde. Ele também enfatiza o valor de cada ser humano aos olhos do Senhor.
Kock é o protagonista no La Konflikto de la Epokoj, mas seu personagem representa cada pessoa que sofre com o peso do pecado, da tristeza, da dúvida e da incerteza. Uma das lições da obra é que todos precisam de esclarecimento, orientação e salvação.
Em seu poema, Kock leva os leitores a uma jornada imaginária através do tempo e do espaço, começando com a queda de Lúcifer, seguindo pelo pecado de Adão e Eva e terminando com a Terra renovada, onde e quando pecado e pecadores não existirão mais.
Em sua jornada, Kock se encontra com quatro personagens bíblicos que agem como seus companheiros e intérpretes: Enoque, que nunca morreu; Moisés, que ressuscitou algum tempo depois de ter sido sepultado; e Esdras e Isaías, que representam aqueles que ressuscitaram por ocasião do terremoto que sucedeu a morte de Jesus (Mt 27:51-53). Durante toda essa expedição, Kock também está acompanhado de seu anjo da guarda.
O autor sul-africano aspirava criar uma obra-prima em esperanto; porém, mais do que isso, ele queria oferecer um contraponto à influência ideológica de incrédulos como o poeta esperantista William Auld (1924-2006), que escreveu La Infana Raso (A Raça Infantil), em 1956. Em 169 páginas, Auld apresentou de maneira sedutora a cosmovisão evolucionista ateísta. “Como cristão adventista do sétimo dia, queria apresentar meu Senhor e Salvador Jesus Cristo, com a esperança de que alguns dos meus leitores fossem atraídos para Ele e salvos eternamente”, justificou Kock.
Até onde Kock saiba, La Konflikto de la Epokoj é a única obra impressa em esperanto que reflete, ao mesmo tempo, as ideias de Ellen White e as raízes escriturísticas do tema do grande conflito. Ele é reconhecido como um dos principais poetas esperantistas do mundo. Talvez o poeta adventista nunca saiba qual foi o impacto de sua produção para aqueles que falam e leem em esperanto, mas certamente seu empenho representa uma voz adventista num segmento populacional tão especializado.
BETH THOMAS é escritora freelance e vive em Michigan (EUA)
(Matéria publicada na edição de dezembro de 2020 da Revista Adventista / Adventist World)