Falar de dor ou sofrimento é fácil em um plano teórico, mas se torna mais difícil quando o mal, sem explicação, se aproxima do nosso território. Esse foi o caso de Shane Clifton, um professor de Teologia em Sydney, na Austrália. Em outubro de 2010, enquanto pedalava uma bicicleta, ele sofreu um acidente, quebrou o pescoço e ficou tetraplégico. E agora, diante dos meses de hospitalização, dos anos de reabilitação e da perda de mobilidade, com a palavra tetraplegia entranhada no cérebro, como entender por que Deus permitiu tal infortúnio?
“O problema da dor não é a dor em si”, ele escreveu. “A dor é um mecanismo que funciona para mostrar nossos limites. Em nenhuma circunstância isso é mais óbvio do que em uma lesão da medula espinhal, em que a ausência da capacidade de sentir certas dores é em si um perigo. O problema então não é a dor, mas o sofrimento, que é uma aflição prolongada (física, psicológica, social) que não serve a nenhum propósito significativo.”
Na prática, poucos problemas causam tanta perplexidade quanto o sofrimento inexplicável ou de inocentes. Por isso, a noção da teodiceia se tornou popular na teologia. Teodiceia, tema da matéria de capa desta edição, é a tentativa de defender a bondade, a justiça e a onipotência de Deus diante das coisas terríveis que nos acontecem. Enigma e mistério, a presença do mal no mundo se torna mais problemática por causa do tipo de Deus apresentado na Bíblia. Afinal, como disse Abraão, “não fará justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18:25b). Ou como o próprio Deus desafiou Jó: “Você vai pôr em dúvida a Minha justiça? Vai condenar-Me para justificar-se?” (Jó 40:8, NVI). Se não houvesse um Deus bom, poderoso, fiel, justo e amoroso, ninguém teria motivo para questionar a existência das tragédias.
A linha entre o bem e o mal se tornou mais tênue no dia em que Adão e Eva se rebelaram contra a ordem estabelecida pelo Criador. Diante das indagações que o sofrimento levanta, as respostas religiosas têm sido atribuídas a três agentes principais: Deus, o ser humano e o diabo. A partir dos eventos descritos em Gênesis 3, fica claro que a alteração no plano original se deve à presença do pecado. Embora alguém possa questionar por que a ocorrência de um problema moral desencadearia as catástrofes que vemos no mundo e criaria também um estrago físico, o fato é que a queda do ser humano causou, em certo sentido, uma queda cósmica. A própria natureza foi afetada (Rm 8:22). Deus não é o culpado, mas entra na equação porque decidiu não criar um mundo totalmente fechado, livre de riscos e possibilidades. Na verdade, Ele mesmo assume riscos. Por isso, no espaço da liberdade, surgiram forças cósmicas contrárias à estabilidade e à harmonia da vida.
Felizmente, o Deus da Bíblia não é um Criador indiferente à sorte do mundo e às nossas dores. Nem o mal é eterno. No tempo certo, Ele vai agir. Ao visitar meus parentes no sul de Minas há poucos dias, fui ao cemitério da pequena cidade de Campestre e, com um misto de emoção e esperança, li a promessa de Apocalipse 21:4 gravada no mármore do túmulo de Geraldo e Benedita, meus amados pais. O texto diz que Deus vai reverter a ordem das coisas. Se 2 de novembro lhe traz saudade, tristeza e lágrimas, saiba que um dia elas serão substituídas por encontro, alegria e sorrisos.
MARCOS DE BENEDICTO é editor da Revista Adventista