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O monstro que surge do mar

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Pesquisa explora a relação dos símbolos de Daniel 7 com a Bíblia Hebraica, a literatura e a iconografia do Antigo Oriente Médio

Defendida em maio de 2019, esta dissertação foi apresentada no Programa de Pós-Graduação em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica da USP (Universidade de São Paulo. Na pesquisa, o pastor, jornalista e coordenador da editoria de livros da Casa Publicadora Brasileira explora a relação dos símbolos de Daniel 7 com a Bíblia Hebraica, a literatura e a iconografia do Antigo Oriente Médio.

Além de investigar fontes escritas em oito línguas e analisar 90 figuras antigas, Diogo Cavalcanti empreendeu uma jornada desafiadora ao abordar um texto apocalíptico que é objeto de debates intensos. Seguindo uma linha tênue que evita discussões infrutíferas da crítica histórica, a obra se concentrou em lançar luz sobre as relações intertextuais e o diálogo entre os três polos: Daniel, a Bíblia Hebraica e a cultura do Antigo Oriente Médio. Os resultados revelaram um diálogo maior do que muitos talvez supunham encontrar.

1 Resumo do trabalho

O capítulo 7 de Daniel desenha uma das cenas mais impressionantes da Bíblia. Numa reminiscência do Gênesis, ventos agitam o mar. Algo está para emergir do caos aquoso, tão temido na mentalidade antiga. A cena também estabelece paralelos com os mitos canaanitas e mesopotâmicos das origens, em que criaturas fantásticas surgem do mar, mas em Daniel 7 não há um conflito direto com as criaturas. Independente dos mitos, embora dialogue com eles, a visão ecoa o Gênesis. O quadro todo se apresenta como o preâmbulo de uma nova criação. Do mar primevo surgiu a terra e o mundo ordenado, com os animais criados “segundo a sua espécie” (Gn 1:24, 25). Contudo, no anti-Gênesis de Daniel 7, do mar surgem quatro feras híbridas, impuras, com partes combinadas de animais diferentes – uma mistura transgressora de seres não marinhos que emergem das águas, violando as categorias estabelecidas no princípio pelo Criador. Desproporcionais, anômalas e vorazes, constituem verdadeiros monstros.

O corpo transgressor dos animais traduz de maneira gráfica seu antagonismo a Yahweh; contudo, paradoxalmente, as feras se encontram sujeitas a Ele. Sendo combinações dos maiores predadores da terra e do ar conhecidos do mundo antigo, eles contrastam claramente com as figuras antropomórficas (com aparência humana) que surgem na sequência da visão. Se a primeira fera é “como leão” (kearyeh, v. 4), a figura que aparece nas nuvens do céu é “como Filho do Homem” (kebar ’enash, v. 13). Assim, nota-se nesse confronto do simbolismo do humano contraposto ao animal a representação de um conflito político, religioso e cósmico entre os impérios humanos e o reino divino. O Ancião de Dias e o Filho do Homem Se apresentam em forma humana, identificando-Se com os “santos do Altíssimo”, julgando sua causa e derrotando as feras, que representam os impérios opressores, a começar por Babilônia.

A cena dos animais também lembra Ezequiel 1. Resguardadas as diferenças, assim como as quatro chayyot (“feras” ou “seres viventes” em hebraico) compostas (homem, leão, boi e águia) cercam o trono divino, as quatro chewata (“feras” em aramaico) de Daniel 7 também estão de certa forma próximas ao trono divino que as julga logo adiante. Contudo, diferentemente dos seres de Ezequiel 1, as feras não estão ali para servir, mas para transgredir e oprimir.

As caraterísticas híbridas das feras denotam uma sobreposição de qualidades. Um leão alado, por exemplo, une a força do rei dos animais à agilidade da águia, a rainha dos ares, o que denota um poder formidável, envolvendo noções de domínio, velocidade e força. As asas eram vistas no mundo antigo como um meio de acesso ao domínio dos deuses. Para além da noção de agilidade, denotam pretensões de divinização. As feras híbridas, portanto, refletem a opressão dos impérios, que pretendiam agir violentamente como autoridades divinas na Terra.

Paradoxalmente, as feras monstruosas estão subjugadas. O domínio lhes é dado; não é tomado à força por elas. São-lhes ditas palavras de ordem, as quais revelam que seu poder, apesar de assustador e humanamente insuperável, subsiste em regime de concessão temporária. A sujeição do leão, cujas asas são cortadas, ilustra o desamparo dessa fera que ganha um coração humano, em um processo incapacitante. Isso é exatamente o inverso do que ocorre em Daniel 4, quando o rei humano recebe um coração de fera.

2 Pergunta respondida

A questão principal que norteou a pesquisa se desdobrou em duas: Existe alguma relação entre o simbolismo animal de Daniel 7 e a representação do leão e de outros símbolos relacionados nos textos e peças artísticas do mundo antigo? Quais seriam as conexões bíblicas entre os símbolos encontrados na visão?

3 Conclusão do autor

Em Daniel 7, o monarca divino subjuga o leão, assim como os monarcas assírios, egípcios e de diversas nações subjugavam o leão na Antiguidade, conforme atestam inúmeros textos e peças artísticas. A exploração ambivalente da imagem do leão, ora retratado como o inimigo do rei, ora como o próprio rei, servia a propósitos propagandísticos de exaltação da figura real, de sua legitimação como líder capaz, como exaltação de seus atributos heroicos enquanto protetor da nação. Paradoxalmente, a pesquisa demonstra que, nas Escrituras hebraicas, refletindo a teocracia israelita, a figura do leão não é associada positivamente a reis humanos, e sim a Yahweh. Esse conceito da realeza divina e de que ela subjuga o leão pode ser notado em Daniel 7. Nesse capítulo, a sujeição do monstro leonino funciona como um modelo para as demais feras, as quais também terão a sua vez. As ações divinas ao longo da visão de Daniel 7 dialogam com o restante do livro para ressaltar a soberania e supremacia final de Yahweh.

4 Contribuição da pesquisa

A pesquisa é uma nova referência para os estudos acadêmicos de Daniel em língua portuguesa. Ela serve a pesquisadores de estudos judaicos, linguistas, interessados em apocalipticismo, estudiosos do hebraico e do aramaico, teólogos e arqueólogos. Curiosos e outros interessados também se sentirão à vontade para ler O Monstro Leonino que Surge do Mar, pois o texto flui numa dinâmica atrativa, proporcionando uma leitura mais agradável.

5 Apêndice

Relevo assírio de alabastro, de 2,4 m de largura, encontrado em Khorsabad, Iraque, do tempo de Sargão II (721-705 AEC) e guardado atualmente pelo Museu do Louvre. Esse quadro reflete a ideia do mar na mentalidade do mundo antigo. Imaginavam-se as ondas inconstantes do mar (as linhas onduladas do desenho) como o reino da incerteza e do medo. Em meio às águas desconhecidas, cria-se, que habitavam seres alados fantásticos, junto aos animais comuns. Na poesia bíblica, enfrentar as águas, ou o abismo, significava desafiar a morte (Jó 28:22; Sl 42:7)

Ninurta versus anzû; painel de gesso; 2,4 m x 3,62 m; Assurnarsipal II; 865-860. Desenhado por L. Gruner. Objeto em exposição no Museu Britânico. Em inúmeras representações artísticas, animais ferozes, em especial o leão, são retratados sob o domínio e o controle dos monarcas, transmitindo imagens de poder

Rei ou herói segurando um leão; relevo; 5,52 m x 2,18 m x 0,63 m; palácio de Dur-Sharrukin (Khorsabad); Sargão II; 713-706. Foto: Diogo Cavalcanti / Museu do Louvre

FICHA TÉCNICA

 Título: O Monstro Leonino que Surge do Mar: Um estudo de Daniel 7:1-4 à luz de sua relação intertextual com a Bíblia Hebraica e a literatura e iconografia do antigo Oriente MédioN° de páginas: 253

Orientador: Dr. Gabriel Steinberg Schvartzman

Ano: 2019

Universidade: USP

Linha de pesquisa: Estudos Judaicos

Link para a dissertação: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8158/tde-31072019-125515/pt-br.php

DIOGO CAVALCANTI, pastor e jornalista, coordena a editoria de livros da CPB

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