O discurso pastoral do papa Francisco conquistou rapidamente os cristãos ao redor do mundo. Seu sorriso franco e o tom bem-humorado de suas falas abriram espaço nos meios de comunicação e na imprensa de modo geral. Dos últimos papas, este é o mais fotografado e o mais exposto.
Após sua eleição em 13 de março de 2013, o papa disse que os cardeais foram buscá-lo “no fim do mundo”. É o primeiro americano e o primeiro jesuíta a exercer o pontificado.
A eleição de Francisco ocorreu num momento em que tanto a Igreja quanto o Estado tinham baixa apreciação do público. No Oriente Médio e norte da África, a chamada “primavera árabe”, desde 2010, tinha escancarado a indignação das populações contra os regimes ditatoriais. No primeiro semestre de 2013, os esquemas de espionagem do governo americano, revelados por Edward Snowden no WikiLeaks, colocaram em descrédito a maior democracia do mundo. Na Europa, as figuras de Berlusconi e Putin criavam constrangimento para o poder político.
Por outro lado, a Igreja Católica enfrentava constantes denúncias de pedofilia por parte de seus sacerdotes em diversas partes do mundo, além de sinais de corrupção na Cúria Romana.
Nesse contexto de decadência da autoridade, o papa causou impacto ao escolher um nome de grande apelo social. Francisco de Assis é exemplo quase milenar de humildade e renúncia. Com sua fala cordial e simples, como o “papa dos pobres” e o “pastor das multidões”, Bergoglio passou a preencher uma lacuna e a capitalizar para o papado o prestígio perdido pelas figuras mais centrais do poder no mundo.
O resultado da habilidade extrema de se relacionar com as massas e os meios de comunicação tem rendido ao papa uma exposição sem precedentes na história do papado. Nem mesmo João Paulo II teve tão generalizada apreciação por parte de católicos, da imprensa, dos políticos e até das demais religiões. O presidente americano, Barack Obama, disse que o papa possui “grande autoridade moral” e que pode “levar as pessoas ao redor do mundo a repensar atitudes antigas e recomeçar o mundo com decência e compaixão”. O rabino Abraham Skorka, amigo pessoal de Francisco, disse que o papa “leva Jesus a sério” e que tem potencial para grandes mudanças no catolicismo e na religião em todo o mundo.
Se os papas anteriores (João Paulo II e Bento XVI) eram teólogos, Francisco também defendeu tese de doutorado e é autor de diversos livros, mas todos com forte tom pastoral. Um fenômeno de massas, ele tem mais de 17 milhões de seguidores no Twitter. Cativa as pessoas com suas atitudes simples e despojadas. Durante seus anos como cardeal em Buenos Aires, o estilo franciscano de Bergoglio já despertava admiração. Ele se locomovia em geral de ônibus e metrô, morava num pequeno quarto atrás da catedral metropolitana e preparava a própria comida. Como papa e chefe do Estado do Vaticano, ele tem recusado o luxo costumeiro dos estadistas europeus, mantendo o estilo de fazer ligações pessoais a amigos e fiéis.
Na edição de 11 de dezembro de 2013, a revista Time elegeu o papa Francisco como a personalidade do ano. Segundo o periódico, “o que torna esse papa tão importante é a rapidez com que ele capturou a imaginação de milhões de pessoas que tinham perdido a esperança”.
TENDÊNCIAS
Cinco principais linhas de ação podem ser consideradas distintivas destes dois anos de pontificado. Primeiro, Francisco tem uma habilidade incomum de encantar e cativar as multidões, o que lhe projeta como um líder global com perfil messiânico. Mesmo na imprensa secular, ele é unanimidade como representante de direitos humanos, liberdade e paz.
Francisco tem se revelado também um talentoso articulador político. Conseguiu promover a reaproximação entre Estados Unidos e Cuba, levando esses países a retomar relações interrompidas desde 1961, por ocasião da revolução cubana. Ele reuniu no Vaticano os presidentes da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, e de Israel, Shimon Peres, acompanhados ainda de Bartolomeu, o patriarca ortodoxo de Constantinopla. Foi convidado a discursar no Parlamento Europeu, ocasião em que desafiou os políticos a buscar uma nova visão social e política para a “envelhecida Europa”.
Em terceiro lugar, o papa tem mostrado um pendor em aproximar a igreja do mundo secular. Apesar de afirmar sua preocupação com o secularismo como o “trabalho do diabo e do anticristo”, ele tem se declarado favorável ao evolucionismo teísta, assim como o papa João Paulo II, além de sinalizar abertura ao ateísmo e homossexualismo. Soma-se a isso o fato de ele ser “antenado” e usuário perspicaz dos meios de comunicação, o que pode ser parte das estratégias de Francisco para atrair a Europa descrente e secularizada de volta ao catolicismo.
Também é preciso destacar a aversão do papa ao fundamentalismo, vertente sociorreligiosa que tem se tornado progressivamente antagonizada no mundo. Segundo ele, sejam muçulmanos ou cristãos, os fundamentalistas são agressivos e perigosos, mesmo quando não praticam o terrorismo.
Por fim, o papa Francisco se destaca como um articulador do ecumenismo. Ele enviou uma mensagem paradigmática a líderes carismáticos nos Estados Unidos, na qual conclamou os cristãos a superar as divisões obsoletas do passado e a caminhar para a formação de um único rebanho de Cristo no mundo. Em maio de 2014, em Jerusalém, ele pediu a união de todas as religiões em favor da paz mundial.
Com essas frentes de ação, é possível imaginar os resultados do pontificado de Francisco em termos de um vasto ecumenismo, incluindo ateus e secularizados, como uma força-tarefa global em favor da paz. Isso seria uma grande realização, não houvesse o perigo de essa coalizão se voltar contra uma minoria que não veja nesse ecumenismo o resultado da ação do Espírito Santo em levar as pessoas a obedecer à Palavra de Deus.
ELE NÃO É O 8º REI
Os “reis” mencionados na visão de Apocalipse 17 devem ser entendidos dentro do contexto das relações entre Igreja e Estado, cuja descrição começa em Apocalipse 16. O parêntese na sexta praga mostra que “três espíritos” (poder religioso global) buscam o apoio dos “reis do mundo inteiro”. No capítulo 17, a visão da mulher (poder religioso) “montada” numa besta (poder político-militar) indica que a campanha dos espíritos foi bem-sucedida e que a religião conseguiu dominar o poder político. Por isso, a besta escarlate não exibe diademas (símbolo de poder real), pois, no contexto enfocado na visão, esse poder está nas mãos da mulher (igreja).
Os sete “reis” devem ser vistos como poderes temporais (ou impérios) capazes de emitir decretos contra a obediência a Deus, ao longo da história. “Reis” é uma designação costumeira para reinos ou impérios (Dn 7:17, 23).
O chamado “oitavo rei” deve ser entendido como um último poder político da mesma natureza dos sete anteriores. Os anteriores dão sustentação à religião falsa, ao longo da história, em sua luta contra o povo da aliança. A religião falsa, “montada” no poder dos impérios, difunde suas heresias (santidade do Sol e do domingo e imortalidade da alma, o vinho de Babilônia) desde o Egito até o fim do tempo, e persegue e mata profetas, santos e apóstolos (Ap 18:20, 24).
Assim, o 8º rei deverá ser uma entidade de natureza política capaz de dar sustentação à igreja falsa em seu confronto final contra o remanescente de Deus no fim do tempo. [Fotos: Gabriel Bouys/AFP e Fotolia]
VANDERLEI DORNELES é redator-chefe associado da Casa Publicadora Brasileira e autor do livro O Último Império