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Uma nova reforma da igreja

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Mudanças de formato e de discurso não são a reforma de que a igreja necessita
Dia 31 de outubro de 1517 é a data memorável dos evangélicos. Nesse dia, o monge agostiniano Martinho Lutero, doutor em teologia, afixou na porta da igreja do castelo de Wittenberg, na Saxônia, um cartaz com 95 proposições escritas contra a venda de indulgências, os certificados de perdão de pecados expedidos em nome do papa. A repercussão das ideias apresentadas no papel foi muito além do que seu autor poderia prever. O conteúdo das 95 teses foi publicado e divulgado por toda a Alemanha. Os argumentos de Lutero despertaram um protesto contra a submissão religiosa a Roma, que reagiu energicamente contra o monge e seus apoiadores. Assim nasceram os evangélicos, cristãos que rechaçaram o sincretismo, a superstição, a simonia, o tradicionalismo, a corrupção, o misticismo e o clericalismo presentes na igreja do século 16.

Hoje, 502 anos depois, há, entre os cristãos evangélicos, também aqueles que propõem novamente a reforma da igreja. Apesar de eventuais retrocessos e equívocos do protestantismo evangélico, essa necessidade não é incoerente com o espírito da Reforma. Refletindo sobre a Reforma por volta de seu primeiro centenário, o calvinista holandês Gisberto Voécio (1589-1676) cunhou o lema latino ecclesia reformata et semper reformanda est (a igreja é reformada e está sempre se reformando). Sim, reformar a igreja é imperativo entre os evangélicos.

Há muitas reformas sendo feitas e solicitações de reforma. Talvez seja mais próprio falar em mudanças, para não desgastar o termo. A seguir, há sete aspectos da igreja que têm sofrido algum tipo de mudança hoje.

A adoração. O culto solene e formal, em que a congregação canta canções inspiradas nos salmos e hinos compostos na época da Reforma e dos grandes avivamentos espirituais dos séculos 18 e 19, é mudada para uma adoração em estilo de espetáculo, com música contemporânea, profissionalismo vocal, bastante percussão e muita expressividade corporal. Também a pregação bíblica tem perdido espaço para que outras formas de comunicação artística tenham seu lugar no culto. Até mesmo a arquitetura da igreja tem mudado, para que o templo lembre ambientes de entretenimento.

O ministério. O protestantismo surgiu dando aos leigos amplas responsabilidades ministeriais. O princípio do sacerdócio de todos os fiéis entregou às pessoas comuns a oportunidade de participar na liderança da igreja, na pregação e na elaboração da teologia, coisa que normalmente não acontece no catolicismo romano. As denominações evangélicas geralmente surgiram com um ministério leigo forte, com um pastor remunerado cuidando de várias congregações pequenas, nas quais oficiais leigos ministravam em sua ausência. O pastor era um mobilizador da evangelização leiga, não só um evangelista. Com o tempo, a tendência é ter um ou mais pastores remunerados ocupados com uma única congregação. Muitas vezes, isso é agravado por uma liderança personalista, que sufoca ainda mais o engajamento leigo no ministério, e um academicismo que inibe a reflexão teológica leiga.

A comunidade. A família de Deus é composta por pessoas de todas as idades e níveis sociais. A Reforma aboliu castas dentro da igreja, mas hoje isso tem mudado com o surgimento de congregações concentradas em atender apenas um nicho específico da sociedade, sem propiciar a comunhão com pessoas de diferentes classes sociais, cultura e idade. A missão, originalmente inclusiva, tem demonstrado tendências de segmentação de pessoas. Além disso, têm surgido ministérios para atender quem não aprecia a igreja como ela é, mas que também não quer abandonar sua resistência e preconceitos em relação à comunidade religiosa. Esses ministérios criam grupos não inseridos no corpo maior de Cristo. O resultado é uma religião individualista, que não tolera a convivência com irmãos de personalidade diferente.

A disciplina. Martinho Lutero ficou escandalizado com a devassidão que encontrou em sua visita a Roma em 1510. A conivência da liderança da igreja de então com o pecado foi uma das motivações da Reforma. Tradicionalmente, os evangélicos sempre tiveram provas de discipulado difíceis e uma disciplina rígida. A fé cristã é intolerante com o pecado e rígida com o pecador, se bem que aberta a redimi-lo por meio da contrição, do arrependimento e da disciplina. Isso tem sido substituído por uma aceitação do pecado mascarada de “amor”. É declarado que Cristo Se acercava de pessoas de pior reputação. Não é lembrado de quanto Ele foi intransigente com aqueles que não aceitavam mudar de vida. Acolhe-se na igreja pessoas não dispostas a abandonar o pecado, dando-lhes a ilusão de que Deus as aceita como são, sem regeneração. Omitem que a mensagem de Jesus concita o arrependimento, a mudança de mentalidade, de linguagem, de vestuário, de aparência, de dieta, enfim, uma transformação radical de vida. Não se impõe a renúncia aos valores e entretenimentos mundanos, os quais sufocam a santidade.

A instituição. Talvez essa mudança afete muito mais algumas denominações, mas, em longo prazo, tem o potencial de destruir o denominacionalismo como um todo. Os movimentos evangélicos que se organizaram em estruturas denominacionais foram muito mais eficazes em se espalhar pelo mundo e em manter instituições de apoio à evangelização, como editoras, veículos de comunicação em massa, hospitais, escolas, universidades e entidades assistenciais do que aqueles que preferiram o congregacionalismo. No entanto, o espírito da época é questionar as instituições e acusá-las de corrupção. As organizações eclesiásticas não escapam e sofrem descrédito. O clamor é que as instituições possam ser dissecadas, com a desculpa da transparência; manipuladas, sob o pretexto da representatividade; enfraquecidas, na ideia de enxugamento. A desinstitucionalização da igreja deixa as comunidades locais concentradas exclusivamente em si mesmas e inviabiliza a missão mundial.

A missão. A proclamação da mensagem bíblica por meio de estudos bíblicos, pregação evangelística, testemunho pessoal e outras formas mais explícitas de proselitismo são desestimuladas. Em seu lugar, a igreja passa a se preocupar exclusivamente em questões sociais, culturais e ambientais, no anseio de se tornar relevante para a sociedade. Muito forte entre os evangélicos hoje, “ativismo político” resumia-se, no Novo Testamento, a orar pelas autoridades e tentar convertê-las. A pregação direta, que confronta o pecado e concita o arrependimento, não torna a igreja relevante perante o mundo, mas para Deus, sim.

A identidade. A igreja é chamada a ser fiel a Cristo e a Seus mandamentos. Essa fidelidade implica distinção do mundo, de sua cultura, de seu modo de vida, de suas crenças e de sua maneira de pensar. No entanto, o cristão tem se tornado cada vez mais indistinto do não fiel na aparência exterior, nas opções de lazer e nas prioridades de vida.

Essas mudanças não são a reforma de que a igreja necessita. Muitos apreciam essas mudanças. A igreja que as adota ganha visibilidade entre os não crentes. É aplaudida por seu papel social, por sua inclusão, por sua modernidade e criatividade. Porém, essas mudanças contribuem bem pouco para o cumprimento do roteiro que Cristo estabeleceu para Sua igreja.

  • Um estilo de adoração mais moderno pode agradar mais pessoas, mas nem sempre agrada a Deus.
  • Um ministério personalista, profissionalizado e com um pastor exclusivo para uma congregação pode dar a impressão de progresso, porém demonstra quanto a igreja se acomodou ao entendimento mundano sobre vocação.
  • Uma comunidade menos eclesial não insere seus membros no corpo maior de Cristo.
  • Uma disciplina mais branda e um padrão de discipulado mais baixo mantém mais gente na igreja, porém gera pessoas mais descompromissadas.
  • Uma instituição mais enxuta tem manutenção mais barata e causa menos preocupações. No entanto, toda a estrutura eclesiástica existe para expandir a missão, e, se for desmontada e reduzida, como querem alguns, será ineficaz em alcançar com a pregação do evangelho “até os confins da terra” (At 1:8).
  • Uma missão mais social cria prestígio para a igreja, mas a pregação do evangelho como ele é sempre suscita oposição.
  • A identidade do cristão é um chamado para ser distinto do mundo, pois, se o mundo não percebe a diferença entre um cristão e um não cristão, é porque esse cristão não experimentou o poder do evangelho.

Obviamente, algumas mudanças são necessárias e muito bem-vindas. O que se questiona neste texto não é a necessidade ou conveniência delas; o preocupante é a energia que muitos líderes e membros têm empregado em mudanças que não restauram a igreja ao que Cristo estabeleceu que ela devesse ser, isto é, uma “nação santa”, “a fim de proclamar as virtudes Daquele que os chamou das trevas para Sua maravilhosa luz” (1Pe 2:9).

A reforma de que a igreja mais necessita não é superficial, de discurso, aparência e formato. A igreja necessita, acima de tudo, de uma reforma profunda, espiritual.

FERNANDO DIAS, pastor e editor da Casa Publicadora Brasileira, está cursando mestrado em Teologia

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