Abel e Caim foram oferecer um sacrifício a Deus. Abel levou um cordeiro, conforme Deus tinha ordenado, Caim levou do fruto da terra, conforme sua própria vontade. Deus aceitou a oferta de Abel e não aceitou a de Caim. Então, Caim enfureceu-se e matou seu irmão Abel.
Talvez este possa ser um resumo de uma das primeiras tragédias humanas e familiares que a Bíblia relata. E por isso, olhamos para Caim e percebemos que a maldição que lhe foi atribuída por Deus surgiu em consequência de ter assassinado seu irmão. Contudo, existem outros detalhes na história que nos permitem perceber melhor por que razão Caim chegou até esse ponto.
O primeiro desses detalhes está ainda antes de Caim ter feito o horrível crime contra seu irmão. Em Génesis 4:6, logo a seguir a Caim se ter irado quando a sua oferta não foi aceite, Deus lhe pergunta: “Por que te iraste? E por que descaiu teu semblante?” O facto de Deus ter-se dirigido a Caim com perguntas, traz de imediato à memória o tratamento que o Senhor teve com o seu pai, Adão, no capítulo anterior, logo após a primeira desobediência: “Onde estás?” (3:9); “Quem te mostrou que estavas nu? Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses?” (3:10).
Ou seja, em ambos os casos, Deus opta por realizar de imediato um juízo investigativo, um rigoroso apuramento dos factos, dando oportunidade ao errante para apresentar as suas razões. Adicionalmente, Ellen White explica o que Deus providenciou neste momento, apelando a Caim para que corrigisse o seu comportamento:
“Deus condescendeu em mandar um anjo para conversar com ele. O anjo inquiriu quanto à razão de sua ira, e informou-o de que, se ele fizesse o bem e seguisse as orientações que Deus tinha dado, Ele o aceitaria e estimaria sua oferta. Mas se não se submetesse humildemente aos planos de Deus, crendo e obedecendo, Ele não podia aceitar sua oferta. Se fizesse o bem seria aceito por Deus, e seu irmão lhe daria ouvidos, e Caim o guiaria, porque era o mais velho. Mas mesmo depois de ser assim fielmente instruído, Caim não se arrependeu.” História da Redenção, p. 53
Há ainda um outro apelo e advertência que Deus faz a Caim – depois da sua oferta ter sido rejeitada e antes de ele se levantar para tirar a vida de seu irmão, o Senhor diz-lhe:
“Se bem fizerdes, não haverá aceitação para ti? E, se não fizeres bem, o pecado jaz à tua porta, e para ti será o seu desejo, e sobre ele dominarás.” Génesis 4:7
Um dado muito importante: a primeira pergunta que Deus faz neste último versículo (“Se bem fizerdes, não haverá aceitação para ti?”) comprova que Deus estava disposto a receber novamente um sacrifício de Caim e a aceitá-lo, desde que esse ato fosse efetuado conforme as instruções que Deus tinha dado a seus pais e, naturalmente, também a ele e seu irmão!
Génesis 4:8 mostra que Caim não atendeu aos apelos divinos; pelo contrário, saiu em incredulidade e rebelião contra Deus para tirar a vida do seu irmão:
“E falou Caim com o seu irmão Abel: e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel e o matou.”
A serva do Senhor esclarece ainda:
“Caim era incrédulo quanto à necessidade de sacrifícios; recusou-se a discernir que Cristo era tipificado pelo cordeiro morto; o sangue de animais parecia-lhe não ter virtude alguma. O evangelho foi pregado a Caim, assim como para seu irmão; mas foi-lhe um cheiro de morte para morte, visto como não reconheceu, no sangue do cordeiro sacrifical, a Jesus Cristo – a única provisão feita para salvação do homem.” Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 231
Portanto, apesar do seu erro inicial, ainda assim Caim teve uma nova e grande oportunidade de encontrar o favor divino; mas ele recusou, rejeitou essa oferta de graça e misericórdia de Deus, entregando-se a uma rebelião declarada contra Ele. Ellen White descreve assim o contraste entre os comportamentos de Abel e de Caim:
“Abel escolheu a fé e a obediência; Caim, a incredulidade e a rebeldia. Nisto consistia toda a questão.” Patriarcas e Profetas, p. 72
Já vimos que logo após ter rejeitado a oferta de Caim, o Senhor entrou em ação para tentar recuperar o errante, fazendo-lhe algumas perguntas. Ora, o mesmo aconteceu após o assassínio de Abel:
“E disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão?” Génesis 4:9
Espantosamente, depois de já ter sido advertido por Deus e não restando justificação para o seu ato, Caim repete um erro que seus pais tinham cometido no Éden: culpar outros pelos próprios erros – Adão culpou Eva e o próprio Deus (3:12); Eva culpou a serpente (3:13); e agora, além de proferir uma mentira, Caim culpou o próprio irmão, respondendo: “Não sei: sou eu o guardador de meu irmão?”, como que querendo dizer que Abel é que devia ter tido cuidado com ele mesmo.
Nada pode ficar escondido e desconhecido aos olhos de Deus. Por isso, em Génesis 4:10-12, Deus profere uma pesada sentença sobre Caim, amaldiçoando-o na terra onde deveria viver.
A reação de Caim é esclarecedora: “É maior a minha maldade que a possa ser perdoada” (4:13). Tragicamente, Caim não quis ouvir, antes recusou as oportunidades que Deus lhe deu para arrependimento e confissão, para apresentar um novo sacrifício que o Senhor aceitaria. Lançando-se em rebelião declarada contra Deus, matando seu irmão e tentando fugir a quaisquer responsabilidades, passou para lá do alcance da graça de Deus, aquele ponto em que a rejeição propositada do Espírito do Senhor nos torna portadores do pecado imperdoável (Mateus 12:32, Marcos 3:29).
Conclusão: o maior erro de Caim não foi oferecer os frutos da terra, mas sim rejeitar os apelos de arrependimento da parte de Deus, recusar confessar o seu erro mesmo quando diretamente questionado, e finalmente declarar-se em rebelião contra Deus.
No fundo, Caim repetiu a experiência de Lúcifer, exatamente como repetimos todos nós quando temos os mesmos comportamentos e atitudes.